quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Era Jesus um Cervejeiro?

Toda religião é cercada por mitos e rituais que nem sempre -quase nunca- correspondem fielmente à realidade, e, com o cristianismo, não seria diferente. O próprio Natal é um exemplo disso, comemoramos o dia 25 de dezembro como sendo a data do nascimento de Jesus, o que não é verdade. Já é consenso entre os estudiosos do Novo Testamento e da origem do cristianismo, que Jesus não nasceu no dia 25 de Dezembro. Na realidade, no dia 25 de dezembro já era comemorado pelos romanos o "Natalis Solis Invicti" ("nascimento do sol invencível"). Era uma festividade pagã destinada ao deus Mitra, um deus Persa muito popular em Roma, que acontecia no solstício de inverno. Até por volta do século IV os romanos eram pagãos, os cristãos eram poucos e perseguidos. O Imperador Constantino, porém, se converteu ao cristianismo, elevando o status da religião, e, para facilitar a assimilação da nova religião oficial e ao mesmo tempo "extinguir" a comemoração pagã, os romanos se aproveitaram da data que já era comemorativa e a "cristianizaram", a primeira comemoração do nascimento de Jesus em 25 de Dezembro se deu no ano de 354 d.C., mais de trezentos anos depois do nascimento e da morte do cara! Uma vez que a data exata de seu nascimento será para sempre um mistério, particularmente acredito que a escolha foi ótima, de uma certa forma continuamos até hoje a louvar o Sol, que é mais do merecedor de uma data comemorativa. 

Mas a motivação dessa postagem não é descobrir quando Jesus nasceu, muito mais nobre e polêmica, nós queremos é descobrir o que Jesus bebeu! O cineasta, ilustrador, músico e escritor português Afonso Cruz lançou há um par de anos um romance chamado "Jesus Cristo bebia cerveja". Na obra em questão, a personagem principal, Rosa, quer realizar o desejo de sua avó de conhecer Jerusalém, porém a neta não pode leva-la até lá e decide então trazer a Cidade Santa até a velha, para isso ela contará com a ajuda do professor Borja, um erudito que decide ajudar Rosa a recriar Jerusalém com uma condição: precisão histórica e fidelidade a detalhes importantes, dentre eles está o fato de que Jesus bebia cerveja e não vinho!

No livro o professor Borja é taxativo ao dizer: -"O que se bebia no espaço geográfico em que Cristo habitava era cerveja. O vinho era uma bebida de romanos, dos invasores. Cristo não iria beber a bebida dos ricos, dos opressores”. -Ainda que seja uma afirmação capaz de causar surpresa em muitos, este detalhe do livro não é mera liberdade artística, ele se baseia em estudos históricos e na realidade é inclusive bastante lógico. A produção de cerveja sempre esteve associada com a do pão, justamente por seus ingredientes serem os mesmos: trigo e cevada. E o pão era a base da alimentação na época e na região onde Jesus viveu, que não era produtora de uvas, seguramente ali também se produzia cerveja. Temos que nos lembrar de que a cerveja nessa época não era bebida com as mesmas finalidades com que a bebemos hoje, além de alimentar ela era uma fonte segura de hidratação (havia muita água contaminada), uma vez que era fervida em sua produção e por possuir álcool, ainda que em proporção bem inferior à das nossas cervejas. Estima-se que o teor alcoólico atingisse no máximo 3% devido à fermentação espontânea e incompleta. Essa fermentação incompleta também a deixava mais nutritiva. 
                
A importância da cerveja como fonte de hidratação na antiguidade era tamanha que durante a idade média na Europa, uma cidadezinha da qual não me recordo o nome, escapou quase ilesa da peste negra porque seu senhor feudal, esperto pra chuchu, decretou a proibição do consumo de água, substituindo-o pelo de cerveja. Como resultado a transmissão da doença diminuiu muito e a cidade pôde sobreviver à epidemia sem maiores danos. 
              
Mas voltando à época de Jesus, a cerveja seguramente era produzida e consumida, não como uma bebida alcoólica mas como alimentação diária e uma maneira segura de se hidratar. 

              
O vinho era a bebida dos romanos, povo que dominava a região, era de fato a bebida dos ricos e dos opressores, que por se considerarem superiores ao povo dominado, consideravam também sua bebida superior, repugnando a cerveja e colocando-a em uma posição inferior à do vinho, era a bebida dos bárbaros e selvagens ao passo que o vinho era a bebida das pessoas civilizadas. Segundo os romanos a cerveja era “um suco malcheiroso de cereal putrefato” que diziam causar mal hálito. 
                
Compreendendo todo esse cenário fica difícil imaginar como e porque Jesus optaria pelo luxo de beber vinho no lugar da cerveja. Primeiro porque não era nobre, era um judeu pobre como tantos outros que não possuíam condições e nem o hábito de consumirem vinho. E segundo porque seria uma atitude totalmente incoerente com sua filosofia e suas atitudes. 
                 
Por outro lado, para os romanos não era nada atrativa a ideia de um deus que bebesse cerveja no lugar de seu adorado vinho e depois de Constantino se tornar cristão, o resto dos romanos, que até então perseguiam os cristãos, também deveriam seguir o mesmo caminho. E eles, assim como os gregos, possuíam uma relação muito longa e profunda com o vinho, haviam deuses dedicados ao vinho que ainda eram cultuados e precisavam ser aos poucos esquecidos e substituídos por apenas um novo deus. Assim como os romanos extinguiram uma festividade pagã que comemorava o nascimento do Sol, substituindo-a por uma festa cristã de celebração ao nascimento de Jesus, substituíram também a bebida de Jesus pela sua bebida, criando assim um Ser muito mais "interessante" aos olhos romanos.
                

Nessa época o cristianismo era difuso, existiam vários grupos cristãos e suas crenças não eram exatamente iguais. No ano de 325 d.C., o Imperador Constantino reuniu os mais influentes bispos cristãos no famoso Concílio de Nicéia, uma reunião que deveria acabar com aquela bagunça e definir quais seriam as doutrinas oficiais do cristianismo. Foram vários os assuntos discutidos e definidos, entre eles, quais dentre os inúmeros livros que tratavam da vida de Jesus seriam considerados oficiais pela igreja. Política e Religião sempre se confundiram e prevaleceram os interesses dos Cristãos Apostólicos Romanos. Depois de selecionados os livros, os mesmos, que muitas vezes já vinham de traduções feitas por outros povos e já possuíam alguns erros, foram traduzidos para o latim pela Igreja Romana e sofreram algumas modificações, algumas acidentais em função do idioma, outras um pouco mais convenientes, Jesus beber vinho
 era não somente mais atrativo para o povo romano, como foi também uma baita jogada de marketing uma vez que Roma era produtora da bebida.


O primeiro milagre de Jesus, a transformação de água em vinho nas Bodas de Canaã, afirmam os historiadores que teriam sido os gregos responsáveis por um engano que perdurou por milênios. Os escritos originais possuíam uma expressão que significava "bebida forte" e que teria sido traduzida primeiramente pelos gregos como "vinho". Maurício Beltramelli ensina em aula que tive o prazer de assistir e também em seu livro "Cervejas Brejas e Birras" que até hoje em muitos colégios alemães esse milagre é ensinado aos alunos de maneira diferente da que conhecemos. Lá eles ensinam que a água teria sido transformada em cerveja e não em vinho! O que também faz muito sentido, sendo o vinho caríssimo na época e o casamento em questão, uma festa simples de pessoas humildes que não teriam condições de bancar fartas quantidades de vinho. 

Outro ponto interessante e ainda mais polêmico diz respeito à seita Nazarita. Quem fazia o voto de nazireno deveria deixar o cabelo crescer, evitar bebidas e alimentos provenientes da uva, não consumir bebidas fortes e não tocar em cadáveres. João Batista, primo de Jesus, é o último nazireno de que se tem registro na Bíblia, mas há quem defenda que Jesus também teria feito o voto de nazireno, o que explicaria o cabelo comprido e o consumo de cerveja, uma vez que esta não era uma bebida muito forte na época, tampouco era feita de uva. A proibição de tocar em cadáveres é o ponto mais polêmico dessa afirmação, se Jesus de fato tivesse feito o voto de nazireno, ou ele não estava lá muito preocupado com o juramento e seguiu ressuscitando os mortos, ou nunca houve milagre assim. 
             
Apesar de ser esta uma questão que provavelmente jamais será resolvida com certeza, se analisarmos todo este cenário torna-se bastante coerente pensar que Jesus, de fato, provavelmente bebia cerveja e não vinho. Além de ser a cerveja comprovadamente produzida e consumida naquela região e o vinho ser uma bebida estrangeira, cara e consumida pelos opressores, o cara era cabeludo, gente boa e cheio de idéias avançadas, faz muito mais o perfil de um cervejeiro do que dos esnobes bebedores de vinho, não?






3 comentários:

  1. Muito bom o teu texto e depois q comecei a estudar sobre a cerveja comecei a pensar desta forma, porém sem ter um embasamento histórico. Agradeço de coração o esforço em passar esta informação.

    ResponderExcluir
  2. Essa cerveja primitiva era a CEVITA, que todo galileu bebia. O vinho tem sua simbologia, representa o sangue de JESUS, o cordeiro de DEUS que tira o pecado do mundo. Realmente a bebida mais consumida era a cerveja, e não o vinho!

    ResponderExcluir
  3. Meias verdades! A cerveja era popular nos tempos de Jesus? Sim! Isso significa que Jesus não tomava vinho? Não! O vinho também faz parte da cultura judaica. Uma coiaa não anula a outra! Dizer que foram os romanos que inseriram o vinho em Israel, é próprio de quem força uma tese sem mergulhar nas informações históricas contidas na bíblia; ela mostra o contato daquele povo com o vinho "desde os seus primórdios". Item caro para pessoas comuns daqueles dias de Jesus? Pode ser! Mas hoje em dia somos exemplos dos esforços que "Todo mundo faz" em festas, em dias especiais, seja de um familiar, seja uma data comemorativa como Natal e Ano novo. Em suma: Tanto o vinho, quanto a cerveja são bebidas antigas, e o consumo algo natural, que algumas religiões ou denominações resolveram proibir, por causa dos tradicionais consumidores exagerados, os beberrões...

    ResponderExcluir